Crítica: “First They Killed My Father”

First They Killed My Father
Data de Estreia no Brasil: 15/09/2017
Direção: Angelina Jolie
Distribuição: Netflix

           Não é a primeira vez que escrevo no H35mm sobre um filme de Angelina Jolie. Nem mesmo sobre um filme de guerra dirigido e roteirizado por ela. Sendo assim, posso constatar que, em ambas as funções de cineasta, Jolie demonstrou um grande processo de maturação desde “Invencível” para agora. Escrito em conjunto com a autora do livro homônimo, “First They Killed My Father” conta a história da infância de Loung Ung, uma cambojana obrigada a deixar seu lar para trás em decorrência do grande período de instabilidade política que se instaurou em seu país durante boa parte dos anos 1970. A Guerra Civil que se estendeu de 1970 até 1975 deu lugar ao sanguinário regime de inspiração maoista e stalinista do Khmer Vermelho, responsável por um genocídio de algo em torno de 1,5 à 3 milhões de cambojanos.

             Fiz uma breve retomada do contexto histórico no qual a história se desenrola porque considero que sua ausência é o principal problema do filme. Por um lado, é compreensível a opção de Jolie por construir a narrativa a partir do ponto de vista de uma criança de 7 anos, que possuía um conhecimento muito limitado dos acontecimentos. Por outro, o filme utiliza em seu início e ao seu final a tradicional tela preta com letras brancas com informações contextuais, extremamente rasas. Já que o recurso havia sido utilizado, ele deveria ter sido melhor explorado, uma vez que o número de pessoas que leram o livro de Loung ou possuem amplos conhecimentos sobre a história do Camboja é muito pequeno. Uma maior contextualização prévia serviria para tornar mais clara a mensagem do filme, que abre com uma pequena narrativa sobre a intervenção norte-americana no Vietnã e no Camboja. Posteriormente, temos referências a uma série de bombardeios norte-americanos conduzidos em vilarejos e cidades do país.

          No entanto, tudo isso acaba sendo muito diluído na narrativa e se perde, sem nunca conseguirmos entender se o roteiro pretende apontar a política de guerra do governo norte-americano como principal causador da instabilidade política que deu origem ao regime do Khmer Vermelho ou se culpa a ideologia comunista pelo genocídio. Digo isso pois me incomoda ao longo do filme o quanto a diretora enfatiza a ideologia do regime, com o roteiro fazendo um uso exagerado de jargões como “camarada” e “fim da propriedade privada”, bem como uma perda de individualidade imposta pelos líderes do exército. Não estou dizendo que tudo isso parte necessariamente de uma intenção das autoras em vilanizar o comunismo como ideologia, mas a falta de clareza em sua exposição pode levar a uma interpretação da obra como propagadora de um anticomunismo tosco, ao pior estilo de filmes norte-americanos dos anos 1950 como “Vampiros de Almas” (1956).

        Tirando isto do caminho, posso afirmar que “First” se encaixa na categoria de ótimos filmes produzidos pela Netflix. Em um viés que me lembrou muito o “Além da Linha Vernelha” de Terrence Malick, o roteiro de Jolie e Loung busca as intercessões de uma guerra, o elemento humano das pessoas vitimizadas pelo conflito, não seus combatentes ou motivações políticas. Há assim uma competente construção da vida de Loung pré conflito, deixando claro os elementos que constituíam sua vivência e a de sua família e que os tornavam possíveis e prováveis vítimas do novo regime. Atuações fortes de todo o elenco e principalmente de Sareum Srey Moch são um verdadeiro tapa na cara daqueles que insistem em defender o white washing hollywoodiano afirmando que não é possível achar bons atores que correspondam às etnias dos personagens originais.

        Elogiável também é a decisão de Jolie de bancar um filme inteiro falado na língua original do país, que não só facilita o trabalho dos atores, mas confere ao filme uma grande dose de autenticidade. Como diretora Jolie também toma decisões acertadíssimas, construindo uma marcante característica visual que não só corresponde à intenção da narrativa, mas ajuda a construí-la. Auxiliada por uma belíssima cinematografia, a diretora aponta sua câmera constantemente para as belas paisagens naturais, algo que não só cria uma forte contraposição com relação a situação política do país, mas também consegue melhor nos colocar na visão de uma criança. Aqui funciona muito bem também a opção de Jolie por se utilizar de uma câmera subjetiva, colocando sua câmera na altura de Loung e enquadrando os diversos rostos humanos como ela os veria. A imersão entre público e protagonista é uma das mais bem feitas que já vi no cinema.

        Falando novamente de suas falhas, “First” peca também por um segundo ato “inchado” e um pouco enrolado demais. Há neste miolo da história uma série de acontecimentos que, além de não serem muito úteis na construção da narrativa, são um pouco confusos, nos distraindo do mais importante. Além de eliminar tal fator, uma edição mais “enxuta” melhoraria também o ritmo do filme, tornando a experiência de assisti-lo um pouco menos penosa. No entanto, ao chegar em seu terceiro ato “First They Killed My Father” realmente mostra a que veio, com excelentes cenas que despejam de uma vez toda a violência que havia sido contida durante todo o filme, elevando enormemente seu potencial de chocar e fazer refletir. Neste momento fica clara a mensagem de que, para uma criança e qualquer outro morador de uma região, não importa quem sãos seus atores, uma guerra civil sempre traz morte e destruição. É uma pena que tal mensagem não tenha ficado mais clara e contundente em sua condenação à política de guerra dos EUA. Em tempos de Trump ameaçando invadir metade do globo, isso seria muito bem vindo.

 
 Ótimo

Por Thiago Natário

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