Alien (1979): No Espaço Ninguém Pode te Ouvir Gritar

 

Por Thiago Natário
 
         Por mais que eu adoraria dizer que o subtítulo deste post é uma ideia original minha, preciso admitir: trata-se de uma tradução da tagline do filme, uma espécie de slogan que aparece nos posteres: In Space No One Can Hear You Scream. Sempre considerei essa a melhor tagline já pensada para um filme, pois além de despertar imediato interesse de quem a lê, ela consegue encapsular em poucas palavras a essência de “Alien: O Oitavo Passageiro” (1979): um incrível híbrido entre o terror e a ficção científica.
           Nesse post focarei mais no aspecto sci-fi do filme, porque além de este ser meu gênero favorito e sobre o qual acredito ter maior conhecimento, deixarei neste post o link para um podcast do República do Medo (do qual também participei) que aborda com mais enfoque os elementos do filme mais identificáveis com o gênero do terror. Portanto, considero que este texto e o podcast sejam complementares e recomendo que você o acesse neste link. Por conta disso, dedicarei a maior parte desta breve (prometo!) análise à primeira metade do filme.
 

 
 
          “Alien” tem um começo muito particular dos grandes clássicos da ficção-científica dos anos 1970-1980: as primeiras cenas acompanham uma nave (a Nostromo) transitando pelo espaço em alguma posição não exatamente definida. Enquanto isso, aos poucos os tripulantes da nave vão acordando de sua hibernação. Esses primeiros momentos são essenciais para criar um cenário no qual o resto da trama se desenrolará: a milhões de quilômetros da Terra, o terror dos personagens frente à criatura será ainda maior por conta da falta de uma referência de local. O espaço aqui substitui as tradicionais florestas do gênero de terror e à eleva a máxima potência. Literalmente não há para onde fugir. Os gritos não se propagam no vácuo.
       Outro elemento essencial estabelecido pelos primeiros momentos do filme é a dinâmica da tripulação. A dinâmica de grupo construída em “Alien” é muito mais característica dos filmes do gênero do terror do que da ficção-científica. Enquanto na segunda a atitude mais comum de um grupo é a união de seus membros para buscar um jeito de superar a principal ameaça, o mais comum no terror é a estratégia do “cada um por si”, incluindo várias tensões entre essas pessoas antes de começarem a lutar por suas vidas. Essa solidão de cada personagem reforça o elemento claustrofóbico e de desespero, visto que os corredores da Nostromo são escuros e apertados e do lado de fora há o enorme breu do espaço.
 
 
           Algo muito importante que frequentemente nos esquecemos ao pensar sobre Alien é a motivação da viagem da Nostromo. Contratados de uma grande empresa de exploração que busca no espaço vantagens econômicas, cada membro da nave deve cumprir suas funções específicas e seguir fielmente as diretrizes previamente estabelecidas. Ao receber um transmissão não identificada, alguns membros da tripulação descem à superfície de um planeta que não conhecem, pois suas diretrizes assim ordenam. Essa parte do filme é de alguma forma semelhante a motivação de jovens que decidem explorem sozinhos uma cabana no meio da floresta, porém também significativamente diferente. Se é plausível que um grupo de jovens se meta a explorar um lugar macabro e desconhecido motivados simplesmente pela curiosidade, o roteiro de Alien é obrigado a dar uma motivação mais forte para que se arrisque a tripulação inteira e a nave: a desmedida ambição humana pela exploração econômica e espacial
        Esse elemento da exploração cega desempenha um papel fundamental dentro do roteiro, pois traz uma característica muito própria dos filmes de ficção-científica: a discussão sobre os limites da ciência e, nesse caso mais específico, da exploração do espaço. Ao aterrizar em um lugar sobre o qual possuem pouquíssimo conhecimento e, o que é pior, se aproximar e tocar em algo que não conhecem, a humanidade abre a caixa de Pandora, liberta um temível predador que provavelmente permaneceria em hibernação se não fosse a intervenção humana.
 
 
           O que se segue é uma joia do cinema. A famosa cena do café da manhã entre todos os tripulantes, logo após Kane (John Hurt) despertar, é um dos poucos momentos de descontração em um filme extremamente tenso e funciona maravilhosamente bem por conta da excelente direção de Ridley Scott. Um dos poucos momentos de descontração entre o grupo, a cena parece um respiro, e até sua clara iluminação contribui para essa sensação. Tudo isso é importante para construir a tensão que virá em seguida. E aqui entra o brilhantismo de Scott: a cena consegue construir tensão de maneira gradual, através das expressões confusas dos personagens que reagem ao que se desenrola a sua frente. Quando Kane começa a tossir, vemos a surpresa na feição dos personagens e automaticamente ficamos tensos quanto ao que virá a seguir. O que acaba por acontecer é algo completamente original: o Alien “nasce” de dentro de Kane, iniciando a exploração que o filme faz sobre as características parasitárias e invasivas do personagem, que mata seu hospedeiro, rasgando sua barriga para escapar, quando este não lhe é mais útil.
           Outro momento importante desta cena é o fato de que o único personagem que não demonstra medo nem surpresa diante do que está acontecendo é Ash (o excelente Ian Holm), justamente o médico da tripulação. Por que ele não corre ao auxílio de Kane como faz Dallas? Mais tarde no filme descobrimos que Ash é um androide, o que traz ao filme o retorno de outro aspecto clássico da ficção-científica. Ash representa em “Alien” o papel que HAL 9000 havia desempenhado em “2001” (1968). Comandado diretamente pela empresa que o criou, a inteligência artificial nesses dois casos emula um dos maiores sentimentos humanos: a ilimitada ambição pelo conhecimento. Para atingir este objetivo, Ash fará o que precisar, mesmo que suas ações coloquem em risco a vida de um ser humano. Mesmo sabendo que aconteceria algo com Kane, ele não interfere pois precisa coletar informações sobre o que acontecerá em sequência.
 
 
           Ash serve também como um interessante parâmetro de comparação em relação aos demais tripulantes. Enquanto ele se mantém sempre frio diante da assombrosa situação, todos os outros personagens são reduzidos a posições puramente instintivas: a liderança frente a um perigo (Dallas), o medo paralisante (Lambert), o conflito (Parker) e a sobrevivência (Ripley). Mesmo estando a anos luz de distância da Terra, todos os personagens humanos são reduzidos a um estado de homem VS natureza e suas ações são instantaneamente reduzidas ao puro instinto, causado pelo medo. Nisso é muito importante a presença do gato filme, que representa mais explicitamente a situação de um animal que reconhece no Alien um predador absolutamente superior.
 
 
         Com o Alien crescido e constituindo uma ameça imparável, os personagens vão sendo mortos um de cada vez, em uma situação muito parecida com a dos slasher movies (RIdey Scott admite uma grande influência de “O Massacre da Serra Elétrica” (1973)). Dessa forma, o restante do filme possui mais claramente uma protagonista: Ripley (Sigourney Weaver). Como última sobrevivente dentro da nave, Ripley se vê reduzida a situação máxima de claustrofobia, enfrentando um inimigo que certamente não pode vencer, tendo como única esperança é uma improvável fuga. Ripley é uma personagem muito forte, com uma grande presença de cena desde o início, porém o protagonismo conferido a ela mais para o fim do filme é uma das coisas mais memoráveis em “Alien”. Única sobrevivente da Nostromo, Ripley vence a ameaça máxima representada pela criatura. O fato de ela não ser um herói de filmes de ação, como Schwarzenegger ou Bruce Willis, é em si uma grande conquista. Ripley não é uma heroína, mas uma sobrevivente, que lida da melhor maneira possível com uma situação desesperadora.
           A resolução final do filme é muito bem construída, porém um aspecto dela quase estraga uma das personagens femininas mais importantes do cinema. Originalmente, o roteiro previa que a personagem estivesse nua nesta cena, representando a redução máxima da personagem a um estado animal em seu último confronto com o Alien. Porém, a decisão do filme de deixar Ripley com roupas mínimas se demonstra um erro, pois além de desperdiçar a ideia original do roteiro, tirando todo o sentido da cena, a direção de RIdley Scott peca ao sexualizar demais a personagem, pondo em cheque toda uma construção de personagem que vinha sendo feita.
 
 
          “Alien” é uma das mais importantes e memoráveis obras de um período que produziu grandes clássicos da ficção-científica. Com sua mistura precisa entre dois grandes gêneros, “Alien” consegue criar algo inovador e influente. Aspectos de seu roteiro e direção inspiraram diversas histórias subsequentes, tanto da franquia Alien quanto de novas criações que nela se inspiraram. O filme foi também responsável por eternizar na memória coletiva dois importantíssimos personagens da história do cinema: o Alien, representação máxima do terror e da ameaça espacial e Ripley, uma das personagens mais bem construídas de sua época.

Sobre o autor – Thiago Natário

Professor e mestre em História, é apaixonado por cinema desde que se entende por gente. Escreve análises sobre o tema aqui no H35mm desde 2014. Também escreve sobre cinema de horror no República do Medo e faz análises culturais e históricas sobre obras do gênero todas as quintas no RdMCast.


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