Crítica: King Richard

King Richard: Criando Campeãs
(King Richard)
Data de Estreia no Brasil: 02/12/2021
Direção: Reinaldo Marcus Green
Distribuição: Warner Bros.

Avaliação: 4 de 5.

Venus e Serena Williams são quase universalmente reconhecidas como as duas maiores tenistas da história do esporte. Sendo assim, houve uma enxurrada de críticas a King Richard quando anunciado que o filme sobre o início de sua carreira seria contado do ponto de vista de seu pai, Richard Williams. Ao mesmo tempo, todo o material promocional do filme gritava oscar bait, com Will Smith buscando aquela que seria sua quarta indicação ao Oscar. Foi com enorme e grata surpresa, portanto, que me encontrei ao final da exibição de King Richard, um filme que sem dúvidas contém algumas inconsistências e simplificações comuns a cinebiografias, mas que nos apresenta uma profunda narrativa sobre família, perseverança e desigualdade.

Desde os primeiros momentos de King Richard sabemos que estamos diante de um grande filme, produzido com esmero por Will Smith, pelo roteirista Zach Baylin e pelo diretor Reinaldo Marcus Green, além de todo o ótimo elenco. Acompanhamos o desenrolar da história do ponto de vista de Richard Williams, homem negro originário da Luisiana que, contra todas as chances, encontra no esporte uma chance de melhorar a sua vida e a de toda a sua família. Seu detalhado plano para levar suas filhas Venus e Serena a se tornarem campeãs do tênis, majoritariamente dominado por pessoas brancas e de elite, serve como fio condutor de toda a narrativa.

Um dos principais acertos de King Richard está no equilíbrio que consegue encontrar ao explorar as diferenças de raça e classe entre os Williams e o mundo majoritário do tênis sem apresentar um retrato glorificado da pobreza e do sofrimento. Nascido em 1942, Richard viveu tempo o suficiente nos Estados Unidos da segregação racial institucionalizada para reconhecer sua mais brutal face. Ele sabe muito bem que, apesar do visível talento de Venus e de Serena, a execução de seu plano requer o rompimento de inúmeras pesadas barreiras. O senso de perseverança e dedicação que tenta transmitir às suas cinco filhas rendem algumas das melhores cenas do filme.

Tanto o roteiro quanto a direção, nesse sentido, são capazes de nos convencer que a história contada é realmente sobre a família Williams como um todo, e não apenas sobre Richard. Imediatamente simpatizamos e nos importamos com cada uma das personagens e isso se deve em grande medida à qualidade das atuações presentes em King Richard. Enquanto Tony Goldwyn e Jon Bernthal cumprem bem seus papéis como os primeiros treinadores de Venus e Serena, Saniyya Sidney e Demi Singleton estão perfeitas interpretando as irmãs Williams. Principalmente Sidney, que tem mais tempo de tela como Venus, consegue transmitir com perfeição toda a obstinação e confiança que tirou da criação de seu pai, mas também todo o peso e pressão de disputar seu primeiro torneio profissional aos 14 anos.

Will Smith, por sua vez, faz aquele que talvez seja o melhor papel de sua carreira. Sua performance como Richard Williams é complexa e cheia de nuances, nos permitindo enxergar um homem ao mesmo tempo perseverante mas teimoso, carinhoso mas de temperamento explosivo, um homem que quer o melhor para sua família…. mas também para si próprio. A maquiagem, o figurino e, principalmente, a linguagem corporal e modulação de voz de Will Smith exibem uma faceta muito diferente do ator, que acerta ao nos mostrar as principais qualidades e também os muitos defeitos de Richard, sem buscar canonizá-lo e idealizá-lo.

Essencial para que isso funcione é a personagem de sua esposa e mãe de Venus e Serena, Oracene Williams, interpretada com maestria por Aunjanue Ellis. O roteiro de King Richard não deixa de retratar os conflitos existentes entre o casal, derivados principalmente da atitude teimosa e prepotente de Richard, tomando decisões que competem à toda a família de forma unilateral e autoritária. Além disso, embora o filme faça alguns recortes convenientes e mencione essas questões apenas de passagem, percebemos o peso da religião para a família (os Williams são Testemunhas de Jeová), além da diferença de cerca de 10 anos entre Oracene e Richard, que abandonou sem remorso os 4 filhos de seu casamento anterior para construir sua nova família.

Toda biografia, no entanto, trata-se de um recorte consciente, uma versão possível dos acontecimentos. Não há como atingir uma única verdade absoluta. Sendo assim, o mais importante é que o filme funcione como uma narrativa própria, criando personagens fictícios a partir de uma história real. E nisso King Richard se sai muito bem, escolhendo com precisão o recorte de início e fim da sua trama, nos deixando com um gostinho de “quero mais”. Comentei pouco (talvez menos do que deveria) sobre a habilidade da direção de Marcus Green ao criar cenas e momentos engajantes de construção de personagens a partir do tênis, porque seu maior feito está em outro lugar. Está na construção de uma história incrível, de uma chance em um milhão, sem um sentimento triunfalista de “era para ser”. Não. A história de sucesso das irmãs Williams dependeu muito da insistência de seus pais e do talento fenomenal das atletas. A pergunta que o filme nos faz é outra: será que deveria ter sido tão difícil assim?

Ótimo


Sobre o autor – Thiago Natário

Professor e mestre em História, é apaixonado por cinema desde que se entende por gente. Escreve análises sobre o tema aqui no H35mm desde 2014. Também escreve sobre cinema de horror no República do Medo e faz análises culturais e históricas sobre obras do gênero todas as quintas no RdMCast.


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