Crítica: The Batman

Batman
(The Batman)
Data de Estreia no Brasil: 03/03/2022
Direção: Matt Reeves
Distribuição: Warner Bros.

Avaliação: 4 de 5.

Como todo personagem icônico, o Batman/Bruce Wayne já foi imaginado e reimaginado inúmeras vezes, tanto no mundo dos quadrinhos quanto nos cinemas. O grande desafio de todos os seus autores/roteiristas é conseguir trabalhar dentro da história canônica do personagem e, ao mesmo tempo, imprimir uma percepção única à história. Há uma razão pela qual continuamos a ler os épicos de Homero, as peças de Shakespeare ou os contos de Edgar Allan Poe: sempre é possível trazer uma perspectiva fresca a histórias clássicas.

Não é de se admirar, então, que o Batman tenha histórias igualmente clássicas nas mãos do “bruxão” anarquista Alan Moore e do cada-vez-mais-fascista Frank Miller, ambas com perspectivas diametrais, ainda que passando pelas mesmas batidas clássicas. Nas mãos de Christopher Nolan, para dar outro exemplo, um universo que se propunha mais realista, com um Bruce Wayne que apanha e sente o peso da idade, deu vazão a uma espécie de terapia coletiva sobre as ondas de terrorismo e vigilância estatal dos anos 2000/2010.

O Batman mais velho e experiente de Ben Affleck (que eu, aliás, continuo gostando), por sua vez, serviu muito bem à visão de Zack Snyder para o embate entre seu pragmatismo obstinado e o idealismo do homem de Krypton em “Batman vs Superman” (2016). Era difícil imaginar, contudo, que aquele Batman pudesse oferecer muito em termos de um universo solo. E aqui entra meu ponto principal: dada a versatilidade e histórico do personagem, faz todo o sentido do mundo a ideia de ter em Batfleck um personagem que serve mais à Liga da Justiça e ao universo compartilhado da DC, e em Pattinson um Batman mais jovem e propenso a explorar aos traços clássicos do personagem.

No que pese a poeira que a DC come do MCU em termos de planejamento e coesão, seu universo cinematográfico caótico possibilita muito mais criatividade e independência a seus filmes. Eu, por exemplo, gosto muito da “farofa” colorida criada por James Wan para “Aquaman”, do desprendimento de simplesmente rebootar o O Esquadrão Suicida (2021) com James Gunn, e mais ainda da sátira política extremamente astuta de Todd Phillips em Coringa (2019). A ampla liberdade criativa do universo DC permitiu em The Batman, por fim, um renovado olhar ao personagem vindo do excelente diretor de Cloverfield (2008) e Planeta dos Macacos: O Confronto (2014), e do extremamente versátil ator de Crepúsculo (2008) e O Farol (2019).

Para um ator de 35 anos de idade que conta com “apenas” 38 créditos de atuação em sua página no IMDb, Robert Pattinson parece já ter feito um pouco de tudo. Embora muitos só o estejam percebendo agora, Pattinson é um ator de enorme entrega, que não se importa de se desfigurar física e mentalmente para um papel. Além do já citado O Farol, o ator britânico está excelente em The Rover – A Caçada (2014) e, principalmente, em “Bom Comportamento” (2017). Em suas hábeis mãos, Bruce Wayne é uma figura sombria e pessimista (um “animal noturno”, como o próprio define), que se veste de Homem Morcego não por ideal, mas por uma incontrolável pulsão à autodestruição.

Os momentos iniciais de The Batman usam uma narração em off bem colocada para rapidamente estabelecer o tom da história e do personagem. Diferente do Batman militarizado e playboy durante o dia interpretado por Christian Bale, o Bruce Wayne de Pattinson é mais soturno em sua silhueta esguia e hábitos reclusos. Já seu estilo de combate é certamente um dos pontos altos do filme, conforme sua autodestruição é visualmente representada na quantidade de murros e disparos que seu Batman sofre. Matt Reeves entrega excelentes cenas de ação e uma paleta de cores sombria e decadente que casa perfeitamente com o tom gótico e noir da história.

No que diz respeito à narrativa, o roteiro de Reeves e Peter Craig utiliza a figura do Charada e seus brutais e enigmáticos assassinatos para uma investigação mais profunda dos podres de Gotham City. E é aqui, na minha visão, que The Batman desperdiça grande parte de seu potencial. A proposta de um Batman mais “adulto” é cumprida no que diz respeito à violência dos combates à persona sombria de Bruce Wayne, mas esbarra em uma trama por vezes rasa e familiar demais. O grande símbolo disso é Thomas Wayne. Descartando completamente a figura cínica e odiosa de Coringa (2019), Reeves opta pelo clichê inexplicável de um “bom homem” filantropo apenas parcialmente corrompido pelo crime organizado de Gotham. Essa imagem, ainda mais em comparação ao tom acertadíssimo de Todd Phillips, é completamente incabível e ingênua no momento atual.

E o pior de tudo é que a oportunidade de uma análise mais crua sobre a fortuna e histórico da família Wayne/Arkham é plantada e desperdiçada pelo mesmo roteiro, dando a impressão de que faltou a coragem necessária para explorar o justiceiro encapuzado no mesmo tom que seu principal vilão. O próprio plano do Charada envolve o legado questionável da família Wayne e de sua influência sobre Gotham. Sua construção como uma figura solitária e revoltosa que encontra eco em um fórum de internet é uma das melhores ideias do filme e poderia ter sido mais aprofundada. Sorte de The Batman que o roteiro foi parar nas mãos de Paul Dano, excelente ator que entrega uma performance memorável como o Charada.

Essa tônica se mantém, aliás, por boa parte do filme: linhas de diálogo fracas e por vezes até mesmo toscas são salvas pelo excepcional elenco. Enquanto Pattinson faz o que pode para consertar alguns trechos verdadeiramente ruins, Zoë Kravitz dá o seu melhor frente ao arco muito pouco inspirado de Selina Kyle. O que salva mesmo é a palpável química existente entre os atores, ainda que tenha faltado abertura do roteiro para cenas mais “quentes”. Jeffrey Wright como o otimista mas pragmático James Gordon e Colin Farrell como o cínico e oportunista Pinguim completam a lista de destaques. Já John Turturro (Carmine Falcone), Andy Serkis (Alfred) e Jayme Lawson (Bella Reál) esbarram na total falta de profundidade dos personagens que o roteiro lhes entrega.

De maneira geral, acho um completo exagero dizer que The Batman nos apresenta a melhor versão cinematográfica do personagem. A parceria entre Matt Reeves e Robert Pattinson ainda tem que comer muito arroz com feijão para chegar aos pés de O Cavaleiro das Trevas (2008), ainda que se aproxime bastante dos outros dois filmes da trilogia de Christopher Nolan. Como primeiro filme de uma nova fase do personagem, contudo, The Batman estabelece muito bem um caminho visual e tonal, que pode ser ainda melhor explorado caso haja coragem por parte do time de produção. Torçamos para que os próximos filmes sejam cada vez mais parecidos com Coringa (2019) e mais distantes de Batman vs Superman.

Ótimo


Sobre o autor – Thiago Natário

Professor e mestre em História, é apaixonado por cinema desde que se entende por gente. Escreve análises sobre o tema aqui no H35mm desde 2014. Também escreve sobre cinema de horror no República do Medo e faz análises culturais e históricas sobre obras do gênero todas as quintas no RdMCast.


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