Crítica: “Loving”

lovingLoving
Data de Estreia no Brasil: sem previsão
Direção: Jeff Nichols
Distribuição: Focus Features

           Segundo filme dirigido e roteirizado por Jeff Nichols a estrear nos cinemas em 2016 (o primeiro foi o excelente “Midnight Special”), “Loving” acompanha Richard, um homem branco e Mildred, uma mulher negra, em sua luta contra o sistema judicial norte-americano do fim dos anos 1950, principalmente do Estado da Virginia, que proibia seu casamento inter-racial considerando que este era contra as leis da natureza e de Deus. Dessa forma, o filme funciona como uma espécie de biografia sobre o casal, tendo início com sua decisão de se casar e acompanhando os futuros aspectos de sua vida e da batalha judicial que empreendem para terem seu direito ao matrimônio reconhecido. O roteiro de Nichols se baseia no documentário “The Loving Story” (2011) e tira muitos de seus diálogos de registros sobre o caso real da família Loving, que tornou-se um enorme precedente para declarar inconstitucional a proibição do casamento inter-racial em todos os Estados Unidos.

             A história contada por “Loving” é por si só absolutamente fascinante. Além de envolver todo um contexto de racismo e segregação em vários estados dos EUA e luta pelos direitos civis durante toda a década de 1960, o sobrenome do casal é uma inacreditável coincidência do destino. É inegavelmente prazeroso vermos em tela que o caso judicial empreendido por Richard e Mildred foi intitulado “Loving vs the State of Virginia”. Respeitando o material no qual que se baseia, o longa de Nichols explora a “pequenez” do casal em sua longa e extenuante luta contra todo um sistema de racismo e segregação que imperava no contexto em que viveram, não só no aspecto legal, mas também social.

         Esta atmosfera é certamente o que mais funciona em “Loving”, com uma construção muito competente por parte de Nichols, que consegue olhar para Richard e Mildred de um ponto de vista muito humano, evitando canonizá-los ou enxergá-los como heróis. Eles um casal como qualquer outro, com planos de construir uma casa em sua cidade natal e constituir uma família, intenções estas atrapalhadas pela proibição Legal de seu casamento. O interessante é que esta perspectiva humana sobre os protagonistas se estende também aos coadjuvantes, principalmente suas famílias e amigos, que são relutantes em apoiar o casamento por verem o quanto este traz dificuldades para todos. Além disso, as figuras Legais, tanto dos advogados contratados pelo casal Loving quanto os juízes que os condenam, não são vistos em uma perspectiva dual de heróis contra vilões. Todos os personagens são encarados como pessoas que se tornam pequenas frente a todo um sistema social de crenças compartilhadas que existe a seu redor. O grande vilão aqui é o preconceito humano, não somente os que dele partilham e o representam.

             É tentando seguir fiel a esta perspectiva de constituir um filme que não apele para o melodrama que “Loving” comete seus principais deslizes. Para uma biografia, o filme contém uma quantidade surpreendentemente pequena de diálogos (em sua maioria retirados de registros históricos) apostando em uma excelente montagem para contar sua história a partir de transições e sobreposições de cena. Tudo isto funciona e é muito bem feito. O problema é que parece haver uma recusa por parte do roteiro de estudar a fundo a personalidade de Richard e Mildred. Ao mesmo tempo que se esforça para não idealizar seus personagens, Nichols parece também hesitar muito em adicionar qualquer aspecto sobre eles que fuja aos registros que encontrou. Dessa forma, “Loving” perde muito de seu possível valor cinematográfico enquanto estudo de personagem, ficando em um meio-termo entre um documentário sobre um caso real e um drama ficcional, algo que prejudica demais seu ritmo e desenvolvimento. Com pouco mais de 120 minutos de duração, “Loving” é arrastado ao ponto de parecer ter muito mais do que isso.

           Com uma performance fenomenal, Ruth Negga consegue contrabalancear muito da frieza do roteiro. Em sua constituição de uma personagem aparentemente frágil, mas muito determinada, a atriz esbanja toda a sua versatilidade. Basta poucos segundos de filme para que a atriz “desapareça” em absoluto por trás de sua personagem, sendo quase impossível relacioná-la com a tagarela Tulip de “Preacher”. Os olhos grandes e muito expressivos da atriz servem para entregar muito de seus sentimentos sem utilizar diálogos para tanto. Por outro lado, acredito que Joel Edgerton tenha sido mal escalado como Richard. Admiro muito o trabalho do ator em filmes como “O Presente” (2015), mas não me senti convencido por sua performance como o introvertido Richard. Sua postura encurvada e de poucas palavras não parece condizer com as ações que toma durante o filme, criando um personagem inexpressivo e inverossímil, que parece simplesmente não se encaixar naquela história.

                  De maneira geral, a direção de Jeff Nichols é competente, mas discreta. Gosto de algumas opções feitas pelo diretor, principalmente montagens de ação paralela e alguns enquadramentos de câmera que tornam os personagens diminuídos frente ao que enfrentam e fazem. A combinação entre direção e edição funciona sempre muito bem, com algumas sequências muito bens construídas mais para o fim do filme, que brincam com as expectativas e medos dos personagens e do público ao demonstrar a tensão destes ao desafiarem a lei. Me agrada muito também a paleta de cores composta para “Loving”, que aposta em um contraste entre tons esverdeados e avermelhados, acentuando a diferença entre sua vida no campo e na cidade.

              “Loving” é um filme de muitos acertos e alguns erros, que infelizmente pesam muito no resultado final. O problema é que a temática principal e a narrativa que o filme opta por seguir ao analisar seus personagens é ao mesmo tempo sua principal virtude e erro. Ao optar por um tom mais “seco” o filme evita o melodrama e exageros idealistas. Ao mesmo tempo, no entanto, abdica de um olhar mais aproximado e complexo sobre a personalidade do casal Loving, resultando em uma narrativa que conta uma história impressionante de forma lenta e travada. “Loving” não é um filme fácil de se assistir, mas certamente o esforço é recompensado pela relevância de suas temáticas, um estudo sobre um período específico da história dos Estados Unidos, mas um que infelizmente ainda tem muitas relações com a nossa vivência de século XXI.

 

Bom

Por Thiago Natário

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